Já alguma vez sentiste algo que mesmo que tentasses explicar a outra pessoa não saberias o que dizer? Eu já. Por mais que tentasse explicar era impossível arranjar uma explicação plausível.
Depois de tanto ponderar sobre a minha sobrevivência decidi tirar três semanas de férias. Durante mais de três anos que não tirava férias, e depois de ter uma conversa muito seria com o meu gerente e amigo, Sr. Lesley decidi tirar um tempo só para mim.
Estava na altura de caminhar, como diria a Kristen. A Allegra ficou radiante por eu tirar esse tempo e apoiou-me.
Esse tempo permitiria-me conhecer-me um pouco, e saber que rumo seguir. Aproveitar o que a vida me oferecia. Mas para isso precisava de encontrar o que a vida me oferecia.
Passei os primeiros dias a passear a cidade, eu já fazia parte desta cidade, mas o quê que eu conhecia dela? Passei o primeiro dia no Central Park, onde estendi uma manta ao sol e li três capítulos de uma livro que acabará de adquirir, mas os pequenos micróbios eléctricos habituados ao movimento rítmico da minha vida pediam mais. Foi nesse dia que decidi gastar energias e começar a fazer jogging. Foi revigorante. Gastar energia, contida há anos, desejosa para sair.
A convite da Kristen acompanhei-a a inauguração de uma exposição de arte. Algo novo a adicionar a minha lista. A exposição era de um fotógrafo relativamente novo na cena artística, pelo menos foi o que a Kristen me disse. A exposição ilustrava um gênero de pesquisa, que segundo o próprio autor "o sexo é a parte essencial de um relacionamento, destinado não só a unir dois corpos mas essencialmente duas almas."
As três salas da galeria estavam repletas de fotografias artísticas, onde cerca de 7 casais demonstravam variadas vertentes das suas vidas, o trabalho, os amigos, o dia-a-dia, mas as mais vibrantes eram as fotografias a preto e branco onde os casais se entregavam ao prazer de dois corpos despidos.
A que até aquele momento mais me marcara foi a de um casal com dois filhos, também um casal. A mãe era uma dona de casa, uma mãe suburbana, morena cerca de não mais do que trinta anos, usava um lindíssimo colar de pérolas -talvez uma oferta do marido, empresário sério mas muito sedutor. Durante o dia, uma mãe que girava em torno de dois filhos, ambos não mais velhos que dez anos, enquanto o pai, um homem de negócios, impecavelmente vestido com um fato azul marinho de óptimo corte a observar a cidade enquanto dominava o mundo dos negócios. Pelo menos era assim que eu o imaginava. Homens de negócios e com um forte carácter, sempre me fascinaram. Imaginava como era a relação dos meus pais antes de tudo acontecer. Até chegar á próxima parede e ver a imagem mais erótica que alguma vez vi.
Da janela do arranha-céus do escritório do pai empresário via-se o contraste das cores do entardecer. O dia a tornar-se noite. E dois corpos em plena ebulição de prazer. A mulher estava encostada a janela, usava um soutien branco, de renda, apesar da sua cor pura, o corte era sensual, gritava sensualidade. A perna dela estava enrolada as ancas do seu marido. Os corpos deles estavam ligados um ao outro em plena comunhão carnal. As costas do homem eram maravilhosamente decadentes, e os gluteos desenhados, demonstravam força, ele estava a penetra-la, estavam a ter uma experiência maravilhosa de sexo tardio. A imagem estava estava repleta de paixão. A boca da mulher estava aberta, ela estava a gemer, ela estava a chegar ao clímax da cena, os lábios do homem estavam a beijar o pescoço dela onde se encontrava o colar de pérolas. O colar era uma marca dele nela, a sua posse. Ele possuía-a. Em todos os sentidos. Naquele momento compreendi a afirmação do autor, aquelas almas estavam unidas.
Nunca vira algo tão decadente e tão erótico. Aquela imagem provocava algo em mim algo que não sentia a muito tempo.
- Decadente. Não acha? - a voz masculina, era arranhada. Escondia algo.
Quando me virei fiquei petrificada. Ali estava um homem igualmente decadente. O homem na imagem ficava-lhe vários km atrás.
E decadente não era a palavra certa para o descrever, mas sim diabólico. A sua altura ultrapassava a minha em quase vinte centímetros, mesmo usando saltos altos. O seu cabelo quase preto estava desalinhado, dando-lhe um ar rebelde, o seu maxilar era forte, desenhado em simetria com o rosto austero, mas não parecia americano. Escondia algo, e aqueles olhos castanho chocolate mostravam-no.
- Peço desculpa se a assustei, não queria apanha-la desprevenida. - as suas palavras diziam uma coisa mas o seu sorriso de rebelde dizia outra, ele gostou de me apanhar desprevenida. E estava a jogar um jogo.
- De facto apanhou-me desprevenida. Estava demasiado compenetrada. - não conseguia olhá-lo nos olhos. Sentia-me envergonhada por ter sido apanhada a observar algo tão cru. - Mas não tem que se desculpar.
- A história deixou-a absorta. - Eu virei-me para voltar a observar a imagem e ele colocou-se ao meu lado. - E forte não acha?
Ele olhava para a imagem, totalmente perdido na imagem.
- É marcante. Esta imagem faz com que o fotógrafo se torne um artista. Porque só um artista conseguiria agarrar em algo assim, - eu apontei para a imagem. - e transforma-la em arte.
- Nisso concordo, plenamente. A leitura que tenho da fotografia e que estão unidos e completamente absorvidos um no outro, na paixão que sentem. E nada mais. Porque momentos assim são finitos. - Ele agora olhava para mim, nos olhos. Não conseguia deixar de olhar para aqueles olhos. Ele viu o mesmo que eu, e conseguiu traduzir para palavras o que eu apenas guardava na minha mente. Os seus olhos castanhos estavam cheios de calor. Mesmo sem qualquer toque a tensão estava palpável. Eu sentia as minhas entranhas, o meu corpo a sentir aquela ligação.
Tinha de sair dali. Naquele momento. Ele estava a estender a mão para me tocar.
- Tenho de ir. Já esto atrasada peço desculpas.
- Espere não me disse o seu nome. - ele via-me a afastar. Ele percebia o que estava a fazer.
- Nem você o seu. - eu tentava sorrir. - Adeus.
Ele viu-me a afastar. Mas também não foi atrás de mim. Se ele o fizesse estava tudo perdido.
Quando já estava a dois metros dele ouvi a sua voz. E mesmo a essa distância produzia um efeito em mim descontrolado. - O meu nome é Seth. - Parei e olhei para ele, e não consegui conter o meu sorriso. Mas não lhe diria o meu nome. E por isso virei costas e sai dali.